Ameaça da China ao setor de aço e fibra óptica do Brasil

Por Nossa Hora
Segunda-Feira, 28 de Abril de 2025 às 19:00
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No Brasil, a China está se expandindo em dois setores industriais estratégicos: o de fibra óptica e o de aço. Mais da metade do mercado nacional de fibra óptica, que compra cerca de 10 milhões de quilômetros de fibra por ano, é importada, principalmente da China. De acordo com o portal de comércio exterior do governo brasileiro, Comex Stat, passou-se de uma importação de fibra de Pequim, em 2022, no valor de cerca de US$ 11,5 milhões, para uma importação de fibra chinesa no valor de US$ 18,5 milhões, em 2024.

Quanto ao aço, de acordo com um relatório recente do Instituto Brasileiro de Siderurgia, que representa as empresas siderúrgicas do país, de 2023 a 2024 houve um aumento significativo, de 50 por cento, nas importações brasileiras de aço chinês, passando de 2,89 milhões de toneladas em 2023, a 3,3 milhões de toneladas em 2024, de um total de 4,8 milhões de toneladas importadas. Os dados indicam que a China se tornou o maior exportador desse produto para o Brasil, em detrimento da produção doméstica do país sul-americano, que teve uma caída de 6,5 por cento no mesmo período.

“É uma avalanche de aço chinês. É inaceitável e absurdo”, declarou Marco Polo Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil, à CNN Brasil.

Com 1,8 por cento da produção mundial de aço, o Brasil ocupa o nono lugar na lista de produtores, dominada pela China, com uma participação global de 54,7 por cento. A invasão do aço chinês no país sul-americano também está impactando as exportações brasileiras do material. Em 2024, 9,6 milhões de toneladas de aço saíram do Brasil, no valor de US$ 7,7 bilhões. Esses números representam uma redução de 18,1 por cento em quantidade e 21,9 por cento em valor, respectivamente, em comparação com o mesmo período de 2023.

“A excessiva capacidade de produção da China se traduz na exportação de grandes volumes de aço a preços baixos, afetando a competitividade das empresas nacionais”, explica à Diálogo o economista brasileiro Lucas Ferro, especialista em inteligência de mercado e comércio internacional.

Dumping e outras práticas predatórias

De acordo com especialistas, a crise nesses setores foi causada por práticas de dumping. Pequim exporta a preços abaixo do valor de mercado, prejudicando os produtores locais.

“Essa estratégia é possível graças a uma combinação de fatores, como a alta capacidade de produção e as políticas governamentais que subsidiam a indústria chinesa”, afirma Ferro. De acordo com o economista, “o governo de Pequim oferece incentivos, como empréstimos em condições favoráveis, subsídios diretos e controle dos custos de insumos, o que permite que as empresas exportem a preços artificialmente baixos”.

Medidas protecionistas adotadas por alguns países, impondo tarifas e cotas, também redirecionam o excesso de produção para mercados mais abertos, como o Brasil. “Essa dinâmica intensifica a pressão sobre a indústria local, o que exige estratégias eficazes para proteger o mercado interno”, diz Ferro.

No setor siderúrgico, em abril de 2024, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) criou cotas de importação para determinados produtos siderúrgicos. Se as cotas forem excedidas, o imposto de importação será de 25 por cento, durante um período de 12 meses.

Em outubro de 2024, o setor de fibra óptica também viu as taxas de importação aumentarem a 35 por cento, durante seis meses. “No entanto, a eficácia dessas medidas depende de uma vigilância constante e de uma forte cooperação internacional”, afirma Ferro.

Além do dumping, a China emprega outras práticas predatórias no comércio do aço, como o contrabando técnico e a evasão. “O contrabando técnico consiste em subvalorizar ou classificar incorretamente os produtos, para evitar tarifas mais altas. A evasão, por outro lado, consiste em modificar ligeiramente o produto ou enviá-lo através de terceiros países, para evitar medidas antidumping”, declara Ferro. De acordo com Ferro, “essas estratégias minam a eficácia das barreiras comerciais e intensificam a concorrência desleal nos mercados mundiais”.

Em 2024, as empresas chinesas de cabos de fibra óptica também foram acusadas de dumping por duas empresas estrangeiras que operam no Brasil, Prysmian e Furukawa.

“Aqui no Brasil, o preço da fibra óptica chinesa é 60 por cento inferior, devido aos incentivos fiscais que o governo chinês aplica a quem exporta fibras e cabos”, declarou o presidente da Prysmian no Brasil, Emerson Tonon, ao site de notícias Convergência Digital. Enquanto 1 quilômetro de fibra produzida no Brasil custa US$ 6,00, a fibra importada da China custa US$ 2,50.

A diretora jurídica da Prysmian, Inaiê Reis, alertou sobre os riscos da expansão chinesa para o Brasil. “O país será refém da China no setor de fibra óptica”, afirmou.

Perda de empregos

Entre as principais consequências da concorrência desleal chinesa estão o fechamento de fábricas e a perda de empregos no Brasil. De acordo com o jornal Estado de Minas, em 2023, a Gerdau, uma das maiores siderúrgicas do país, demitiu 700 trabalhadores e reduziu a produção em suas fábricas no Brasil, devido ao impacto das exportações chinesas. Além disso, em 2024, teve de suspender durante cinco meses os contratos de trabalho de cerca de 50 de seus trabalhadores na usina de São José dos Campos, no estado de São Paulo.

“O paradoxo é que as empresas mineradoras brasileiras exportam minério de ferro para a China, que o transforma em aço e devolve o produto a um preço mais baixo do que o próprio aço brasileiro”, declarou o sindicalista Weller Gonçalves ao site brasileiro de notícias econômicas Exame.

Devido à invasão chinesa, a fábrica de fibras ópticas da Prysmian em Sorocaba, no estado de São Paulo, foi temporariamente fechada em 2023 e operou bem abaixo de sua capacidade em 2024. Dos 250.000 km de cabos e fibras que pode fabricar por mês, a Prysmian produz 100.000 km, de acordo com o site de notícias Convergência Digital.

Com o mercado de fibra óptica, a China também está penetrando em regiões de seu interesse para a exploração de recursos, como a Amazônia. No projeto ‘Programa Norte Conectado’, lançado em 2023 para instalar 12.000 km de cabos de fibra óptica nos rios da bacia amazônica, até agora foram usadas fibras ópticas da empresa chinesa ZTT Submarine Cable & System, que as enviou diretamente da China para o porto de Manaus, no estado do Amazonas. Em 2019, o Banco Mundial excluiu a ZTT dos seus projetos de financiamento durante 20 meses, devido a “práticas fraudulentas no projeto de reabilitação de transmissão e distribuição de Lusaka, na Zâmbia”. O projeto na Amazônia abrangerá cerca de 60 cidades e 10 milhões de pessoas.

“O principal mecanismo de proteção é um grande aumento de tarifas, pois oferece uma proteção mais completa e imediata contra os preços artificialmente baixos, estabilizando o mercado doméstico e permitindo que a indústria brasileira mantenha sua competitividade”, afirma Ferro. De acordo com o especialista, “essa estratégia evita que a superprodução chinesa afete o mercado local”, fornecendo um escudo contra as práticas de concorrência desleal.



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