Roubo de cargas cresce no Brasil e transforma a Bahia em rota


O roubo de cargas, crime que movimenta mais de R$ 1,5 bilhão em prejuízos anuais no Brasil, está em plena migração para o Nordeste e já coloca a Bahia como ponto estratégico das quadrilhas. O avanço de 40% nos casos na região, revelado pela ICTS Security, expõe a vulnerabilidade de corredores logísticos fundamentais como a BR-116 e a BR-101, que cortam o estado e conectam polos produtivos a portos e centros de distribuição. A presença de facções como o Comando Vermelho reforça o alerta: Salvador e a Região Metropolitana passam a figurar como áreas de risco, com reflexos econômicos e sociais que vão do aumento dos custos de transporte ao fortalecimento do crime organizado.
“A região nordeste tem se tornado o novo epicentro do roubo de cargas no país. Houve um avanço de 40% na região, que sugere uma forte migração da criminalidade para rotas em estados como Pernambuco, Bahia e Maranhão. Especificamente na Bahia, a atuação criminosa avança na BR-116, em portos e em polos logísticos”, afirmou Anderson Hoelbriegel, diretor de Negócios da ICTS Security.
Segundo ele, a conjunção de fatores logísticos e a entrada de facções nacionais criam um cenário semelhante ao que já ocorreu no Rio de Janeiro. “O avanço do roubo de cargas na Bahia, pela concentração de polos logísticos e pelo fortalecimento de facções como o Comando Vermelho, coloca Salvador e RMS em um ponto crítico, com risco de estrangulamento logístico e de fortalecimento da criminalidade organizada, com efeitos sociais, urbanos e reputacionais”, disse.
De acordo com os dados levantados pela ICTS, 2,5% das ocorrências nacionais já estão concentradas na Bahia. Em termos de valores, os setores mais prejudicados são os de cargas fracionadas, eletrônicos, higiene e limpeza, alimentos, bebidas e defensivos agrícolas. Produtos de alto valor agregado e fácil revenda são os preferidos das quadrilhas, que agem com inteligência: monitoram horários, acompanham rotas e usam informantes dentro das empresas de transporte.
“Não é um crime aleatório. As quadrilhas têm planejamento, pontos de apoio e agem com foco em mercadorias que rapidamente se convertem em lucro. Trata-se de um portfólio criminoso diversificado, que financia outras atividades ilícitas, do tráfico de drogas à compra de armas”, pontuou Hoelbriegel.
Consequências - O impacto econômico não se limita às transportadoras. Para o empresariado, significa custos maiores com escoltas, rastreamento e seguros mais caros. Para os consumidores, reflexo direto no preço final de alimentos e produtos básicos. Para o Estado, a deterioração da segurança pública e a perda de competitividade logística. “Se essa escalada não for contida, a Bahia pode se consolidar como um dos pólos nacionais de roubo de cargas, com graves consequências econômicas e sociais. Isso já aconteceu no Sudeste e agora vemos a mesma dinâmica se repetir”, alertou o diretor da ICTS.
Ainda conforme Hoelbriegel o enfrentamento ao problema exige mais do que policiamento ostensivo. A recomendação é integrar setor público, empresas e sociedade em um ecossistema que envolva tecnologia, inteligência e processos. “Não diria que existam falhas no policiamento. O que falta é integração. Muitas vezes, a polícia tem acesso apenas aos registros de ocorrências efetivadas, enquanto as gerenciadoras de risco lidam também com as tentativas frustradas. Na nossa experiência, a cada cinco sinistros tentados em uma mesma região, um se concretiza. Essa informação precisa ser compartilhada para fortalecer a prevenção”, explica o diretor da ICTS Security.
As soluções passam por tecnologias embarcadas, monitoramento inteligente e capacitação de pessoal. Mas, como ressalta o executivo, nenhum desses elementos, isoladamente, resolve. “A segurança pública por si só, em nenhum lugar do mundo, é capaz de combater esse e outros tipos de crime sem o engajamento do setor produtivo e da sociedade civil. É um trabalho conjunto, sistêmico e permanente”, concluiu Hoelbriegel.
No Nordeste, quadrilhas atuam mais às quintas e sextas-feiras
Especialistas alertam que, sem uma integração mais efetiva entre empresas, órgãos policiais e sociedade civil, os impactos econômicos, sociais e logísticos tendem a se intensificar. O aumento do custo da segurança, a perda de competitividade do transporte e a interiorização do crime indicam que a Bahia e o Nordeste precisam adotar medidas coordenadas e estratégias inovadoras para frear a escalada e evitar que o estado se consolide como um novo pólo nacional de roubo de cargas.
Um levantamento da Nstech aponta que a região respondeu por 21,3% dos prejuízos com roubo de cargas no primeiro semestre de 2025, o equivalente a R$ 159,5 milhões, considerando que o total nacional foi de R$ 748,8 milhões. Esse aumento acompanha a alta de 24,8% nas perdas nacionais em relação a 2024, após três semestres consecutivos de retração.
No Nordeste, Pernambuco, Maranhão e Bahia concentram 85,5% das perdas, com destaque para a cidade de Timon (MA), responsável por 24,3% do valor sinistrado regionalmente. Essa interiorização demonstra que os ataques deixaram de ocorrer exclusivamente nas grandes áreas metropolitanas e passaram a atingir cidades do interior, com menor fiscalização e monitoramento.
O perfil das cargas visadas mantém uma tendência nacional: cargas fracionadas lideram, representando 34,8% do valor sinistrado no Nordeste. Em seguida aparecem eletrônicos (19,1%), produtos de higiene e limpeza (18,6%), alimentos (17,4%), defensivos agrícolas (8,3%) e bebidas (1,9%). A média nacional difere nesse ponto, com alimentos concentrando 33,3% das perdas.
Além do valor das mercadorias, o horário das ocorrências chama atenção. No Nordeste, 51,4% dos roubos aconteceram à noite, percentual acima da média nacional, que é de 42,1%. Sextas-feiras e quintas-feiras lideram os registros semanais, 23,2% e 20,9%, respectivamente, evidenciando que as quadrilhas adaptam suas ações à dinâmica de entregas e menor cobertura de rastreamento em tempo real.
Em nível nacional, há uma redistribuição das ocorrências: em junho de 2025, o Rio de Janeiro superou São Paulo como o estado com maior valor de perdas, acumulando 56,6% do total nacional, frente a 3,7% de São Paulo. Isso reforça que o roubo de cargas não é apenas um problema local, mas um fenômeno em expansão e adaptação contínua.
Por Hieros Vasconcelos
Foto: Reprodução