Para que serve mesmo o Dia das Mulheres?

Por Nossa Hora
Sábado, 08 de Março de 2025 às 08:30
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No meu cotidiano de Millennial, parece cada vez mais comum ouvir que o Dia das Mulheres é desnecessário ou que reforça divisões. Entre conversas casuais e discussões nas redes sociais, espalha-se a ideia de que a data não tem real significado.

Esse tipo de questionamento aparece em postagens que associam o feminismo ao “ódio contra os homens”, e em debates em que se diz que as mulheres hoje “exigem demais”. Há também um movimento crescente que exalta as chamadas trad wives – esposas que deixam o trabalho para assumir integralmente os cuidados da casa e dos filhos, num modelo tradicionalista idealizado, muitas vezes representado por mulheres brancas e de classe alta.

Mas será que essa visão leva em conta a realidade de todas as mulheres e o caminho árduo que percorreram para conquistar direitos? Mais do que isso, será que reconhece que ainda há barreiras que impedem as mulheres de terem as mesmas oportunidades e direitos que os homens?

Quase nada se fala, por exemplo, sobre por que foi criado o Dia das Mulheres. Não foi para que elas ganhassem flores, bombons ou homenagens simbólicas. Esta data tem um significado imenso: ela reconhece as lutas por melhores condições de trabalho, pelo direito ao voto e pela participação das mulheres na sociedade. Um dos episódios marcantes dessa trajetória foi o incêndio numa fábrica de Nova York, em 1911, que tirou a vida de 146 trabalhadoras e escancarou as condições precárias a que eram submetidas.

Mais de um século depois, a luta continua.

É fato evidenciado que as mulheres continuam ganhando menos que os homens. Segundo o Ministério do Trabalho, em 2024, a diferença salarial entre homens e mulheres no Brasil era de 20,7%. Nos cargos de liderança, chegava a 27%.

Ao aplicarmos um recorte racial, os números se agigantam ainda mais. No país onde as mulheres negras são a maioria da população, elas ocupam apenas 3,4% dos cargos de diretoria, enquanto as mulheres brancas estão em 23,5% (Instituto Ethos). Vale ressaltar: ambos os números são ainda muitíssimo baixos, tendo em vista que a proporção de mulheres no país é de 52%.

Além da questão econômica, há outro dado do qual não podemos escapar: a violência contra as mulheres. O Brasil tem um dos índices mais altos de feminicídio do mundo. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma mulher é assassinada a cada seis horas no país. Meninas e garotas são a maioria das vítimas de estupro. Além disso, mais de 245 mil denúncias de violência doméstica foram registradas em 2023. Por mais igualitários que nos consideremos, a segurança e a vida das mulheres seguem por um fio todos os dias, em todos os lugares. Inclusive dentro de casa.

Agora, pense no cuidado que mantém a nossa vida funcionando: quem prepara as refeições, limpa a casa, cuida das crianças, dos idosos e das pessoas doentes? Na maior parte das vezes, esse trabalho invisível recai sobre as mulheres – sem salário, sem descanso e sem absolutamente nenhum reconhecimento. Segundo a ONU Mulheres, se fosse remunerado, esse esforço corresponderia a cerca de 11% do PIB mundial. Ou seja, um papel essencial para a nossa sobrevivência que segue sendo tratado como uma obrigação delas, e não como um pilar imprescindível para o sucesso de todas as economias.

Nós poderíamos, cara pessoa leitora, desmembrar ainda mais dados sobre o acesso à segurança alimentar, ao saneamento básico, à saúde, ao mercado de trabalho formal, ao crédito e à educação. Poderíamos também abranger dados sobre mulheres indígenas, trans e tantas outras marginalizadas. Em todos os casos, o cenário se repetiria: as mulheres continuam enfrentando muito mais barreiras do que seus pares masculinos.

Sabemos, entretanto, que não estamos falando apenas de estatísticas frias – estamos falando de vidas reais, atravessadas por desigualdades que limitam oportunidades, sufocam potenciais, silenciam vozes e colocam em risco o futuro de todos nós.

Dar a devida importância ao Dia das Mulheres não é sobre reforçar divisões. É sobre reconhecer o quanto ainda precisamos transformar a nossa realidade. O feminismo nunca foi sobre ódio contra os homens – seu propósito sempre foi o de enfrentarmos toda essa injustiça e disparidade.

O 8 de março serve para nos lembrar que as conquistas de hoje não foram dadas de presente, mas arrancadas a duras penas por gerações passadas. E, principalmente, nos lembrar que essa luta não é só das mulheres, mas de toda a sociedade – ela exige o compromisso de todas as pessoas, especialmente dos homens.

Está tudo bem em desejarmos que esta data não seja mais necessária. Para isso, precisamos mudar como dividimos as tarefas dentro de nossos lares, como contratamos, desenvolvemos e promovemos as pessoas no nosso trabalho, como elegemos nossos representantes políticos (em todas as esferas de poder), como criamos nossas filhos e filhas para se tornarem as famílias, profissionais e cidadãos do futuro.

Tudo passa pelo senso de responsabilidade que temos em construir o futuro que queremos. Um futuro no qual homens e mulheres vivam sob igualdade de fato, e não mais presos a papéis nem destinos designados por seus gêneros.

Enquanto houver desigualdade, o 8 de março seguirá como um chamado à ação. Vamos então trabalhar com ousadia para que, um dia, ele não precise mais existir no nosso calendário.

Por Arlane Gonçalves

É professora na Fundação Dom Cabral e especialista em Análise Interseccional de Gênero pela Universidade de Toronto


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