Bahia entre os estados com mais doenças por falta de saneamento

Por Nossa Hora
Sábado, 11 de Outubro de 2025 às 15:23
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A Bahia registrou, em 2024, mais de 24 mil internações por doenças ligadas à falta de saneamento básico — a maior parte de crianças pequenas (0 a 5). O dado, que integra o novo estudo Saneamento é saúde, do Instituto Trata Brasil em parceria com a consultoria EX Ante, escancara um problema nacional que se traduz no estado: o avanço lento da infraestrutura de água e esgoto e o peso disso na saúde e no futuro das famílias. No Nordeste, a Bahia está entre os três estados, e no Brasil, entre os cinco, com maior número de internações por doenças de transmissão feco-oral, ao lado de Maranhão e Ceará, destacando a gravidade do problema na região.

Conforme a pesquisa, no país foram 344 mil internações por Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI) em 2024. Desse total, mais de 100 mil foram de crianças de 0 a 9 anos — 70 mil com até quatro anos e 30 mil entre cinco e nove. Na Bahia, que concentrou 24.154 casos, as doenças de transmissão feco-oral, como diarreias e hepatite A, e as transmitidas por vetores como o Aedes aegypti, respondem por quase toda a carga hospitalar, revelando o duplo desafio do estado: ampliar o esgotamento sanitário e controlar surtos de dengue em áreas sem drenagem adequada.

“O avanço do saneamento básico no Brasil irá reduzir a incidência de uma série de doenças, que infelizmente impactam mais severamente as crianças, os idosos, mulheres e pessoas autodeclaradas pardas, amarelas e indígenas”, afirma Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil. Segundo o estudo, a chegada de saneamento em áreas vulneráveis pode reduzir em até 69,1% as internações após 36 meses de intervenção.

Os números mostram que, embora o país tenha avançado nos últimos quinze anos, o ritmo é insuficiente. Em 2023, o Brasil ainda registrou 11.544 mortes por doenças relacionadas ao saneamento precário. A Bahia, que apresenta uma taxa de incidência de 16,26 casos por 10 mil habitantes, está levemente acima da média nacional (16,20) e reflete as desigualdades regionais. No Nordeste, onde ocorreram mais de 93 mil internações, o saneamento precário permanece como um dos principais fatores de perpetuação da pobreza.

De acordo com o estudo, além de comprometer a saúde imediata, a falta de saneamento mina o desenvolvimento físico e cognitivo de crianças. A exposição constante a infecções, diarreias e parasitoses interfere na absorção de nutrientes e provoca atrasos escolares. “A cada episódio de diarreia, a criança perde dias de aula, se enfraquece e se distancia do aprendizado. É uma cadeia de perdas que se inicia com a ausência de infraestrutura básica”, diz o biólogo Ricardo Torres.

No caso baiano, o impacto é ainda mais severo em regiões rurais e periferias urbanas, onde o acesso a água tratada é irregular e o esgoto corre a céu aberto. A combinação de calor, umidade e desproteção sanitária cria um ambiente propício à proliferação de vetores e à contaminação de lençóis freáticos — situação que tende a se agravar com as mudanças climáticas.

Problema afeta clima e pode deixar Salvador e Bahia mais quentes

Estudos complementares do Instituto Trata Brasil, elaborados com a Way Carbon, apontam que a Bahia será um dos estados mais impactados por ondas de calor e períodos de seca até 2050, especialmente no sertão e no agreste. Nessas áreas, a redução

do volume de mananciais e a concentração de poluentes elevam o custo do tratamento de água e o risco de doenças de veiculação hídrica.

Já no litoral e na região metropolitana de Salvador, o problema é inverso: chuvas intensas e alagamentos sobrecarregam redes antigas, espalham esgoto e contaminam lagoas e rios urbanos.

A Embasa, empresa responsável pelo abastecimento e esgotamento sanitário em grande parte do estado, atua hoje em 368 dos 417 municípios, alcançando cerca de 11 milhões de pessoas. A cobertura de abastecimento de água está próxima da universalização, entre 98% e 99% nas áreas operadas, mas o esgotamento sanitário permanece em torno de 53%, segundo dados do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente da Bahia (Sindae).

O governo estadual afirma que o saneamento é prioridade e lembra que, em 2025, firmou um contrato de financiamento com o Banco do Nordeste (BNB) para ampliar sistemas de esgotamento em cidades do interior. O investimento, segundo a Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento (SIHS), deve beneficiar dezenas de milhares de famílias e contribuir para a universalização até 2033, como prevê o Marco Legal do Saneamento.

Em entrevista à Tribuna sobre o tema, especialistas afirmaram que apesar dos avanços, especialistas alertam que o ritmo ainda é lento para as demandas da Bahia. “A infraestrutura precisa ser pensada também como política de adaptação climática”, diz o engenheiro César Ramos, da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES-BA). “Cada estação de tratamento construída hoje é uma unidade de saúde preventiva. É ali que se evita a internação de uma criança, a morte de um idoso, a contaminação de um rio”, disse, em matéria publicada ano passado.

Falta de saneamento provoca custos altos com internação

Os custos do atraso são altos. Com uma média de R$ 506 por internação, as doenças de veiculação hídrica custaram ao SUS centenas de milhões de reais em 2024. O Instituto Trata Brasil calcula que cada real investido em saneamento retorna quatro reais em economia de saúde pública. O impacto financeiro é apenas um reflexo do social: onde há esgoto, há menos escola; onde há esgoto, há menos futuro.

Salvador, embora tenha avançado no tratamento de esgoto e na ampliação do abastecimento, ainda convive com contrastes gritantes. Nos bairros periféricos e nas ilhas da Baía de Todos-os-Santos, o saneamento continua precário. Rios e lagoas que abastecem a capital sofrem com assoreamento, resíduos sólidos e ligações clandestinas. Na outra ponta da cidade, condomínios e hotéis de luxo exibem redes subterrâneas modernas e estações de tratamento próprias — um retrato da desigualdade que se expressa até nas águas que correm.

Para especialistas, a universalização do saneamento é uma urgência moral. O estudo do Trata Brasil mostra que a simples expansão da coleta de esgoto pode evitar dezenas de milhares de internações por ano. Na Bahia, onde o calor, a pobreza e a carência estrutural se combinam, o desafio é imenso — mas também mensurável e possível.

“Enquanto não chega a todos, a conta recai sobre os mais frágeis: crianças, mulheres e idosos que seguem adoecendo por causas que a ciência e a engenharia já sabem como resolver. Sem água limpa e sem esgoto tratado, o futuro fica contaminado”, resume Torres. 



Por Hieros Vasconcelos

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