Tibrás, Millenium, Cristal e agora Tronox. O nome pode ter mudado ao longo do tempo, mas os problemas relacionados ao meio ambiente parece que persistem.
Produtora de pigmento TiO2 (dióxido de titânio), muito utilizado para tintas, a indústria química foi fundada em 1966, na BA-099, trecho de Camaçari, na região metropolitana de Salvador (RMS). Mas a primeira grande preocupação veio em 2008, quando uma mancha de aproximadamente 2 km de extensão apareceu no mar, próximo à comunidade de Areias, na região.
Tratava-se de contaminação provocada por resíduos despejados pela então Millenium. Ainda assim, a empresa teve a licença renovada pelo Instituto de Meio Ambiente (hoje Inema).
Só em 2013 que uma medida mais efetiva contra a contaminação foi tomada, quando o Ministério Público estadual (MP-BA) firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) junto à indústria, para que ela interrompesse a emissão de resíduos mais pesados, comprovando tal controle frequentemente.
Passados 11 anos, no entanto, esse monitoramento não tem sido apresentado, e moradores da região pedem esclarecimentos, como pontua o engenheiro Mário Gordilho, proprietário de um imóvel no Condomínio Parque Interlagos, um dos mais luxuosos da Estrada do Côco que fica a 650 metros da Tronox:
“Não é nada especificamente contra a Tronox. Ela precisa é cumprir com o que o meio ambiente obriga. O que está obscuro é que não tem se comprovado o cumprimento do que deve ser cumprido. Não dizem ‘olha, está aqui a prova, fizemos exames da água’. Por que isso não aparece? Por que essas comprovações não são explicitadas? Como as coisas estão?”.
Segundo o engenheiro, a pequena comunidade de Areias, vizinha à indústria, é a que mais sofre com a “poeira” e fumaça originadas no local. Cabe ressaltar, inclusive, que a suspeita de descumprimento do TAC, há dez anos, ocorreu depois de queixas dos moradores em relação a problemas respiratórios.
Por esses motivos, Gordilho acredita que é necessário o engajamento dos condôminos de Interlagos para monitorar a situação. “A população sofre muito com isso. O que nós podemos e devemos fazer no condomínio, com nossa capacidade financeira, é ter um controle desse sistema de apoio de compromisso, dessas ações que o MP obriga que sejam feitas”, avalia. “E se você não acompanhar o Inema, ninguém acompanha, e as coisas vão ficando de lado”, acrescenta.
O engenheiro já foi síndico do condomínio, entre as décadas de 80 e 90, e cita algumas ações que podem ser feitas nesse sentido, como denúncias, audiências públicas e a compra de equipamentos para averiguar a qualidade da água. “Há piezômetros (tubulações) para coletar água em vários níveis do solo e subsolo para analisar se há algum tipo de contaminação”, diz.
Porém, ainda de acordo com Gordilho, nos últimos anos, essas iniciativas pararam de acontecer. Confirmando o relato do engenheiro, outros condôminos relataram a este Política Livre que não há registros de que a atual administração do condomínio esteja realizando o monitoramento da água e do solo, o que deixa a grande maioria insegura sobre os riscos de se morar ou veranear no local.
Uma proprietária antiga em Interlagos que prefere não se identificar diz que desde a mudança de comando no condomínio eles deixaram de receber relatos sobre os procedimentos para prevenir a contaminação no mar e no solo, além do lago existente, o que dificulta o enfrentamento de eventuais problemas e até a interlocução com a direção da empresa.
“Precisamos saber o que está acontecendo com a direção de Interlagos na sua relação com esta empresa. É temor ou é descaso com os condôminos?”, diz outro proprietário no condomínio afirmando que perdeu até o prazer de passar os fins de semana em sua casa, na praia paradisíaca, por falta de informações atualizadas sobre os riscos de contaminação.
“O Verão está se aproximando e não sabemos sequer se este ano vamos curtir nossa casa. Simplesmente, não nos sentimos tranquilos”, diz sua mulher, revelando-se frustrada com o fato de, afim de melhorar o conforto do imóvel, ter realizado uma reforma completa na ampla propriedade do casal, que fica de frente para o lago, numa das áreas mais valorizadas de Interlagos.
O Política Livre entrou em contato com a atual síndica para saber se a gestão condominial tem se mobilizado para monitorar o cumprimento do TAC. Mas, por telefone, ela disse que “não tinha nada para falar” com o site.
Por meio de uma nota dirigida à reportagem, o MP-BA informou que tem procedimento instaurado para apurar as denúncias de descumprimento, pela empresa Tronox, do TAC firmado com o órgão em 2013. “O promotor de Justiça Luciano Pitta solicitou à empresa explicações quanto à eventual ausência de monitoramento do passivo ambiental sob sua responsabilidade e documentos comprobatórios de que está cumprindo o acordo. A empresa não deu retorno. Ainda não houve judicialização do caso”, diz o comunicado oficial.
No último dia 19, o MP notificou o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) para apresentar, em até 10 dias, os laudos que comprovem o monitoramento e a redução da emissão de resíduos poluentes no litoral de Areias. Assim, o Inema tem até a próxima segunda-feira (29) para tal.
Procurada pelo Política Livre, a Tronox afirmou, em nota, que “todas as cláusulas do TAC firmado com o Ministério Público da Bahia em 2012 foram integralmente cumpridas”, e que o arquivamento definitivo do termo foi homologado pelo Conselho Superior do MP em 2013, “de forma que não existe qualquer obrigação pendente de cumprimento relativa à entrega de qualquer espécie de documento, bem como não há qualquer inquérito em andamento perante o Ministério Público”.
A empresa acrescentou que “o Inema é o único responsável pelo acompanhamento da licença de operação da fábrica, e todas as condicionantes estão sendo rigorosamente cumpridas dentro dos prazos e comprovadas através de documentos, relatórios de coletas de material e laudos enviados periodicamente, e as seguidas renovações da licença de operação são a prova mais evidente deste cumprimento”.
“A licença atual foi concedida pelo prazo de oito anos e é uma informação de conhecimento público. Em todas as nossas licenças de operação cumprimos 100% das condicionantes colocadas pelo órgão ambiental, sendo enviados relatórios regulares ao órgão com a comprovação do cumprimento”, concluiu a Tronox.
Também procurado por este Política Livre, o Inema ainda não se pronunciou.
COEXISTÊNCIA
“Quando fomos para Interlagos a empresa já existia. Ela é contemporânea do condomínio, então ninguém pode dizer que não sabia que existia a [então] Tibrás, mas ela tinha que respeitar o meio ambiente. Queremos que ela cumpra as obrigações legais e comprove que tem feito esse controle”, pondera Mário Gordilho.
Para o engenheiro, essas questões podem causar problemas, mas, se cuidadas com responsabilidade, é possível conviver tranquilamente. “Se não fosse assim, não existiria nada de habitação próximo à indústria. São Paulo, Tóquio e Pequim não existiriam”, completa.
EM TEMPO
Na tarde dessa quarta-feira (25), uma sessão de convocação da Tronox – para discutir a contaminação do ar e do subsolo na região de Camaçari – foi cancelada na Comissão de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Seca da Assembleia Legislativa da Bahia por falta de quórum. Proposto pelo vice-presidente da comissão, Matheus Ferreira (MDB), o requerimento nem chegou a ser apresentado.
Política Livre.